Pág. 63 - Sublimação (comentado)





Sublimação
(José Antonio Jacob)


Segue distante o pensamento humano,
No encalço das idéias fugitivas,
Sempre buscando achar num outro plano
A lógica das coisas evasivas.

Passeante dessas fugas pensativas,
O homem, hora após hora, ano após ano,
Estima ao seu revés a mágoa e o engano
E ao seu prestígio as sinas positivas.

Mas só diria o que aprendeu da Vida
Se tivesse a certeza definida
Daquilo que a existência não lhe exprime...

E apenas numa frase resumisse
A idéia exata e o espírito sublime
De tudo o que pensou e nunca disse!
 





Professora Maria Granzoto da Silva
Arapongas - Paraná
granzoto@globo.com 

Introdução


Sublimação, mais um soneto do Mestre na Arte Literária de compor, José Antonio Jacob! Quão intrigantes são as palavras de que se utiliza, bem como a mensagem que passa! A mente do leitor torna-se um emaranhado de possibilidades lingüísticas, tamanha a riqueza de que é carregada a composição, a exemplo deste poema! E a começar pelo título! A mim me parece que a ciência da Química mistura-se à Semântica. Meu Deus! Fios tão esteticamente entrelaçados que nos põem a endoidecer a imaginação e o conhecimento! O título é um substantivo primitivo, não derivado de sublime, como poderíamos pensar.

SUBLIMAÇÃO - Mecanismo de defesa pelo qual a energia psíquica de tendências e impulsos inaceitáveis primitivos se transforma e se dirige a metas socialmente aceitáveis, isto é, o inconsciente desloca energia de certas tendências condenáveis ou inaceitáveis, para realizações consideradas "superiores". Dessa forma, a vida normal do indivíduo as necessidades instintivas e os impulsos inaceitáveis encontram na sublimação uma "saída", um modo "normal" de expressão. Aquelas tendências e impulsos primitivos inaceitáveis - com finalidades, por exemplo, pessoais, egoístas, proibidas, "irregulares" - são transformadas e sua energia é dirigida a atividades digamos científicas, altruísticas, políticas, artísticas, etc., pelo mecanismo da sublimação. Vê-se que assim o indivíduo ao mesmo tempo elimina ou reduz possibilidades de perversão, de neuroses, de anormalidades psíquicas, por meio da sublimação encaminha sua atenção e sua potencialidade para realizações e criações positivas. Dessa forma têm-se desenvolvido grandes promoções sociais e culturais baseadas no trabalho de uma pessoa, e também especialmente é assim que aparecem muitos grandes vultos na ciência, na literatura, na religião, etc. Por isso, a sublimação é tida como o mais importante mecanismo do inconsciente.

Segundo Freud, que criou o termo, a sublimação é responsável por muitas "das nobres aquisições do espírito humano”. Ao contrário de outros mecanismos de defesa, na sublimação os impulsos encontram saída por via artificial. O impulso original desaparece quando a sublimação se completa, porque a energia dele lhe é retirada, e encaminhada para o objetivo substituto.Sublimar os sentimentos significa deixá-los em um lugar onde são valorizados e apreciados.Significa que é necessário respeitar e entender o que se sente, e não apenas sentir de maneira vulgar, sem interessar-se ou manter-se em encanto e surpresa pelo que se sente.É tornar especial o especial, entendem?

O primeiro quarteto

Segue distante o pensamento humano,
No encalço das idéias fugitivas,
Sempre buscando achar num outro plano
A lógica das coisas evasivas.

Para meu entendimento mínimo da estrofe em apreço, tive que buscar na Filosofia, na Lógica, na Psicologia, enfim, em várias ciências, alguns conceitos sobre pensamento, idéias para tentar entender como a mensagem se apresenta no poema! Nada fácil!

O pensamento humano é de imensurável alcance, independentemente do grau cultural a que o indivíduo pertença. Para Vigotsky, o pensamento é diferente da linguagem, mas têm uma relação dinâmica, em constante interação. Já em Platão é tornado especialmente vivo, angustioso, pela viva sensibilidade do filósofo em face do universal vir-a-ser, nascer e perecer de todas as coisas; em face do mal, da desordem que se manifesta em especial no homem, onde o corpo é inimigo do espírito, o sentido se opõe ao intelecto, a paixão contrasta com a razão. Assim, considera Platão o espírito humano peregrino neste mundo e prisioneiro na caverna do corpo. Deve, pois, transpor este mundo e libertar-se do corpo para realizar o seu fim, isto é, chegar à contemplação do inteligível, para o qual é atraído por um amor nostálgico, pelo eros platônico.

Ora, quem ou o que foge, sempre busca o afastamento da sua origem, visto que esta o incomoda por razões as mais diversas possíveis. Até mesmo banais, para o leitor. Ou para aqueles que ainda não sentiram a que dimensão a alma pode chegar! É um soçobrar entre as controvérsias humanas e o desenvolvimento fracassado; é a busca constante da importância de mergulhar em si para encontrar o verdadeiro sentido da existência. É preciso submergir no mar, subir a montanha e encontrar lá dentro, onde ninguém pode caminhar senão você mesmo, para chegarmos ao autoconhecimento. Quantas indagações sobem à cabeça. Tantas dúvidas corroem a alma e quantas tempestades enfrentamos! Mas, ainda estamos vivos e é preciso descobrir qual o sentido da existência. Ou não? Bastaria vegetar, permanecendo neste plano: ver, ouvir, falar, calar?

O segundo quarteto

Passeante dessas fugas pensativas
O homem, hora após hora, ano após ano,
Estima ao seu revés a mágoa e o engano
E ao seu prestígio as sinas positivas.

Nas ciências naturais os diferentes termos têm significados muito rígidos. De fato, os artigos científicos habitualmente começam com as definições precisas dos termos e símbolos usados. Situação oposta ocorre na literatura, em que se joga com possíveis ambigüidades dos vocábulos e até com uma variedade de associações entre diferentes significados possíveis. Em literatura, a vaguidade enriquece; em ciências naturais é um pecado capital. Compreende-se, então, o inevitável conflito com setores humanistas que tomam posturas "literárias”. Assim, Jacob joga com a ilogicidade que a Literatura se lhe permite, ao afirmar-se um “Passeante dessas fugas pensativas”, sem nada precisar comprovar, porque é costumeiramente natural ao ser humano rejeitar o que não lhe agrada e acolher o que de bom a vida possa oferecer ) terceiro e quarto versos)! Isso porque a capacidade de raciocinar logicamente, e de detectar imediatamente inconsistências, tautologias e afirmações vazias é quase a primeira coisa que ciências naturais priorizam. Sem ela não chega longe na sua carreira. O treino é marcante. Uma mente habituada à lógica é impaciente e intolerante perante o ilógico em discussões e argumentações. O problema não é o ilógico na criação artística, que é natural e até necessário, e quase parte da definição de arte. O intolerável é a falta de lógica em debates supostamente intelectuais, nos quais está em discussão a validade de idéias ou teorias.

O primeiro terceto

Mas só diria o que aprendeu da Vida
Se tivesse a certeza definida
Daquilo que a existência não lhe exprime...

Sou um tempo que se esgota e só tenho essa existência para ser quem sou. Percebo que sou o meu próprio tempo, não o tempo dos relógios, sempre regular e homogêneo. Mas um tempo finito em que o presente só faz sentido em relação a um futuro, a um projetar-se que me revela como realizador de minha própria história, que realiza um sentido que eu mesmo escolhi como minha marca pessoal na história da humanidade.

Heidegger não estabelece um juízo de valor de que seria melhor viver na autenticidade do que na impropriedade. Ambas são possibilidades de ser. Em qualquer momento da vida posso passar de uma a outra e vice-versa. Posso eleger um dos sentidos já prontos ou construir o meu. A vida em si não tem sentido, somos nós que atribuímos um sentido para ela. Portanto, a “ certeza definida” parece-me indefinida para nós, pobres mortais!

O último terceto

E apenas numa frase resumisse
A idéia exata e a essência mais sublime
De tudo o que pensou e nunca disse!

O conhecimento sensível deve ser superado por um outro conhecimento, o conhecimento conceptual, porquanto no conhecimento humano, como efetivamente, apresentam-se elementos que não se podem explicar mediante a sensação. O conhecimento sensível, particular, mutável e relativo, não pode explicar o conhecimento intelectual, que tem por sua característica a universalidade, a imutabilidade, o absoluto (do conceito); e ainda menos pode o conhecimento sensível explicar o dever ser, os valores de beleza, verdade e bondade, que estão efetivamente presentes no espírito humano, e se distinguem diametralmente de seus opostos, fealdade, erro e mal-posição e distinção que o sentido não pode operar por si mesmo.

Tomando a Natureza como ponto de partida, observamos que as pedras e as árvores existem, mas não pensam; os animais, por sua vez, têm lampejos de pensamento; somente o homem tem a capacidade de construir pensamentos através da palavra escrita e falada e, com isso, transmitir conhecimentos. Contudo, ainda estamos longe de bem utilizar o nosso cérebro, no sentido de bem pensar. Não é sem razão que muitos dizem que usamos uma parcela muito diminuta dele. É que não somos habituados a pensar com profundidade naquilo que estamos pensando. Anotemos as notícias veiculadas num jornal televisivo: há uma série de informações, muitas vezes desconexas, cuja análise fica para segundo plano. Além disso, preferimos aquilo que diverte, aquilo que mexe com as nossas emoções. De qualquer modo, todos somos obrigados a pensar melhor porque a vida, com as suas dificuldades, coloca-nos, muitas vezes, num beco sem saída. Aí não temos escolha, a não ser debruçar o pensamento sobre nós mesmos. E alguns deles, jamais diremos a não ser para nós mesmos!

Conclusão

A apropriação de um conhecimento requer o exercício da análise filosófica. O que entende por analisar? Analisar é decompor e discernir as diferentes partes de um todo, mas também reconhecer as diferentes relações que elas mantêm, quer entre si, quer com o todo. Analisar é ousar enfrentar a dificuldade, a complexidade que o conhecimento requer. É desatar os nós que impedem a clara distinção do conhecimento. Nesse sentido, não se deve ser precipitado, nem impaciente, pois tanto uma atitude quanto a outra impede que nos façamos "engenheiro do sentido". (Arondel-Rohaut, 2000, p.2)

O elemento chave para o bem pensar ou pensar por nós mesmos é a reflexão. É uma volta sobre si mesmo. A reflexão seria mais perfeita se fosse somente sobre o próprio pensamento, sem a intervenção dos sentidos; mas, como o pensamento e os sentidos são inseparáveis, de qualquer forma é uma reflexão. Depois de tudo assimilado, depois de tudo associado, temos que parar e voltarmo-nos para o nosso interior, propondo, inclusive, uma mudança comportamental. Santo Agostinho, um dos expoentes da Escolástica, sugere que façamos o que ele fazia todas as noites, antes de dormir: "repassava mentalmente o que fizera durante dia, indagando como fora em palavras, pensamentos e atos".

“Sublimação”, do poeta Jacob, quase levou-me a explodir meus pensamentos, pelo excesso do pensar e, quimicamente falando, passei por grande transformação por muito pensar, mas que não quero dizer!

Bibliografia

[1] C. P. Snow: As Duas Culturas e uma Segunda Leitura, Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

DURANT, Will, História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.

FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.

PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.

VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.

Coleção Os Pensadores, Os Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I, agosto 1973.


Poesia de Bolso - Ed. ArtCulturalBrasil/2011





POESIA DE BOLSO
ÍNDICE


Sonetos

7/ Desenho (Comentado)
8/ Sonho de Papel (Comentado)
9/ Florzinha (Comentado)
10/ Impulsão (Comentado)
11/ Bolhas de Sabão (Comentado)
12/ Fim de Jornada (Comentado)
13/ Amor -Próprio Ferido
14/ A Dança dos Pares Perdidos
15/ Afronta Impiedosa (Comentado)
16/ Almas Primaverais
17/ Casinha de Boneca
18/ Nós Somos Para Sempre
19/ Sonhando (Comentado)
20/ Faltas e Demoras
21/ Velho Órfão
22/ Silêncio em Casa
23/ Quanto Tempo nos Resta? (Comentado)
24/ Enigma
25/ Despercebimento
26/ Porta-retratos
27/ Roseiras Dolorosas
28/ Sonho Quebrado
29/ O Espelho
30/ O Palhaço (Comentado)
31/ Varal de Luzes
32/ História sem Final
33/ O Beijo de Jesus (Comentado)
34/ Musa do Ano Novo
35/ Natal dos meus Sonhos (Comentado)
36/ O Ano Bom do Bom Fantasma
37/ Domingo em Casa
38/39/ Elogio à dor do Desamor I e II
40/ Almas sem Flores
41/ Crença
42/ Além da Porta
43/ Alminha
44/ Carretéis
45/ Os Afogados
46/ Jardim sem Flores (Comentado)
47/ Mudança
48/ O Vira-lata (Comentado)
49/ Revelação
50/ O Vendedor de Bonequinhos
51/ Repouso no Sítio (Comentado)
52/ Tédio
53/ Crepúsculo de uma Árvore
54/ Noite Fria
55/ Oração do Descrente
56/ Não Despertes Sonhos Nos Meus Dias
57/ Falsidade
58/ Renascer
59/ Poodle
60/ Prisioneiro
61/ A Mãe e a Roseira
62/ A Saudade Sempre Pede Mais
63/ Sublimação (Comentado)
64/ Solidão (Comentado)
65/ Esperança Morta
66/ A Aurora da Velhice
67/ Mãos nos Bolsos
68/ Figurinhas
69/ História Boa
70/ Soneto para o Poeta Triste
71/ Minha Senhora
72/ Soneto de Natal
73/ O Pai e a Terra
74/ Minha Mãezinha
75/ Brinquedo
76/ Alegoria
77/ Almas Raras
78/ Angústia
79/ As Formigas
80/ Velhice Feliz
81/ Na Poltrona
82/ Oração do Dia dos Pais
83/ Ócio e Solidão
84/ A Prece do Capuchinho
85/ Último Delírio
86/ Canção do Rio
87/ O Verso Único
88/ Páscoa
89/ De Volta aos Quintais
90/ Amada Sombra que Persigo
91/ Eu Creio Sim!
92/ Coelhinho da Páscoa
93 Restou uma Poesia
94/ Meu Presépio

Quadra
95/ Veritas (Comentado)

Sextilhas
96/ Delírios de Maio (Comentado)
100/101/ Passeio na Cidade
102/ Natal na Rua da Miséria (Comentado)
104/105/ Uma Temporada na Roça
106/ O Fantasma que mora em meu Sofá
108/ Filhos de Minas







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(Acróstico Poético)
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Resposta ao Passado
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Mémória de Bibelô
(especial ArtCulturalBrasil)

Além da Porta
(Vídeo de Dorival Campanelle)

Noite no Bar

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Trailer 1

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