QUADRINHAS PARA BRINCAR
(José Antonio Jacob)
Que calor! Anda próximo o verão...
Vou-me assentar no bar ali na frente,
Naquela mesa perto do balcão,
Que o sol cá fora está torrando a gente.
Aqui na rua a minha sombra me arde
Aqui na rua a minha sombra me arde
E os meus pés tostam (e antes que alguém veja)
Entro no bar, mal se abaixou a tarde,
Para matar a sede com cerveja.
E para refazer-me dessa estafa,
E para refazer-me dessa estafa,
Que me causa o calor e a insolação,
Encolho-me entre um copo e uma garrafa
E escrevo versos num papel de pão.
Peço em tigelas tira-gostos guapos
Peço em tigelas tira-gostos guapos
E tudo que me seja um bom quitute:
Um saleiro de vidro, guardanapos,
E um cálice saudável de vermute.
Que antipatia tem aquela dona...
Que passa do outro lado e vira o rosto
E arrepia a carranca até a tona,
Com trejeitos horríveis de desgosto!
Parece que ela tem cirrose hepática,
Quando contorce a cara e enfuna a pança.
Quem sabe ficaria mais simpática
Se saudasse de longe a vizinhança.
Vinte anos que eu a vejo no seu pódio
E o riso que bosqueja se esboroa,
Mal abre a boca os lábios cospem ódio:
Eu nunca escutei dela coisa boa.
Não conto em saber múrmuros segredos,
Nem em gozar de alheia confidência,
Segredos e temores são os medos
Que se acumulam em nossa consciência.
Um ambulante passa com verduras,
Estão saudáveis, tenras e verdinhas,
Amarradas em feixes de ataduras:
Agriões, alfaces, couves, cebolinhas...
Parece encontro com hora marcada:
O homem arria o cesto ao meio fio
E aparecem mulheres na calçada
E o balaio, no chão, fica vazio!
Escuto um sino, mas não é o da igreja,
E o sol se inflama, mais ainda, lá em cima.
- Garçom! - Traz-me mais uma cerveja!
E o sorveteiro exausto se aproxima...
Uma criançada alegre se avizinha,
Trepando no carrinho pelo friso
Que cinge a lateral da carrocinha
E o cansado ambulante abre um sorriso...
Surgiu na mesa uma formiga audaz,
Pus um miolo de pão sobre o cinzeiro
Para saber se ela será capaz
De carregá-lo para o formigueiro.
Ela o recusa e sai puxando um cisco,
Uma migalha à toa sem relevo,
Qual letra carregando um asterisco,
Por cima do papel onde eu escrevo.
Tento ajudá-la, porque ela tem fibra,
Quebro um palito e faço uma pinguela,
Mas a formiga se desequilibra
E cai no molho dentro da tigela.
Enfio o dedo na vasilha e a grimpo
Pelas beiradas, feito um bom petisco.
Coloco-a ao fundo de um pratinho limpo,
De onde ela sai puxando o mesmo cisco.
Sobre esta força de ânimo e motivo
O feito da formiga encerra o ensino,
De que quando se tem sorte e objetivo
Alguém pode mudar nosso destino.
Sinto que a fome aumenta e quero um bife!
Do boi fregem bistecas escarlates
E logo vai chegar aqui o esquife,
Coberto de cebolas e tomates.
A cozinha do bar é um pandemônio,
Tem espíritos, e um deles me aponta,
E da porta me chama: - José Antonio!
(Acho que já bebi além da conta).
Levanto-me a empuxão até a pia,
Derrubo um prato, uma terrina e um ovo,
Enfio o rosto todo na água fria
Que antipatia tem aquela dona...
Que passa do outro lado e vira o rosto
E arrepia a carranca até a tona,
Com trejeitos horríveis de desgosto!
Parece que ela tem cirrose hepática,
Quando contorce a cara e enfuna a pança.
Quem sabe ficaria mais simpática
Se saudasse de longe a vizinhança.
Vinte anos que eu a vejo no seu pódio
E o riso que bosqueja se esboroa,
Mal abre a boca os lábios cospem ódio:
Eu nunca escutei dela coisa boa.
Não conto em saber múrmuros segredos,
Nem em gozar de alheia confidência,
Segredos e temores são os medos
Que se acumulam em nossa consciência.
Um ambulante passa com verduras,
Estão saudáveis, tenras e verdinhas,
Amarradas em feixes de ataduras:
Agriões, alfaces, couves, cebolinhas...
Parece encontro com hora marcada:
O homem arria o cesto ao meio fio
E aparecem mulheres na calçada
E o balaio, no chão, fica vazio!
Escuto um sino, mas não é o da igreja,
E o sol se inflama, mais ainda, lá em cima.
- Garçom! - Traz-me mais uma cerveja!
E o sorveteiro exausto se aproxima...
Uma criançada alegre se avizinha,
Trepando no carrinho pelo friso
Que cinge a lateral da carrocinha
E o cansado ambulante abre um sorriso...
Surgiu na mesa uma formiga audaz,
Pus um miolo de pão sobre o cinzeiro
Para saber se ela será capaz
De carregá-lo para o formigueiro.
Ela o recusa e sai puxando um cisco,
Uma migalha à toa sem relevo,
Qual letra carregando um asterisco,
Por cima do papel onde eu escrevo.
Tento ajudá-la, porque ela tem fibra,
Quebro um palito e faço uma pinguela,
Mas a formiga se desequilibra
E cai no molho dentro da tigela.
Enfio o dedo na vasilha e a grimpo
Pelas beiradas, feito um bom petisco.
Coloco-a ao fundo de um pratinho limpo,
De onde ela sai puxando o mesmo cisco.
Sobre esta força de ânimo e motivo
O feito da formiga encerra o ensino,
De que quando se tem sorte e objetivo
Alguém pode mudar nosso destino.
Sinto que a fome aumenta e quero um bife!
Do boi fregem bistecas escarlates
E logo vai chegar aqui o esquife,
Coberto de cebolas e tomates.
A cozinha do bar é um pandemônio,
Tem espíritos, e um deles me aponta,
E da porta me chama: - José Antonio!
(Acho que já bebi além da conta).
Levanto-me a empuxão até a pia,
Derrubo um prato, uma terrina e um ovo,
Enfio o rosto todo na água fria
E volto para a mesa, bom de novo!
Lá fora a tarde se enche de mais cores,
Mas minha antiga mágoa não tem fim...
Lá fora a tarde se enche de mais cores,
Mas minha antiga mágoa não tem fim...
Pus-me de pé, fui e voltei, e as dores
De uma aflição vieram atrás de mim...
Na rua a prefeitura faz buracos
Na rua a prefeitura faz buracos
Para achar o escoadouro dos dejetos,
Reviram terra, pedras e cavacos
E vão brotando mais calhaus infectos...
Um embriagado atola o pé no esgoto
Um embriagado atola o pé no esgoto
E a outra perna bamba se desdobra,
A esborrachar-se ele agarra o pano roto
Da bandeirola que assinalava a obra.
Ainda no chão destrata os ditos-cujos,
Ainda no chão destrata os ditos-cujos,
Rasga o pano e espaneja nele mesmo,
Lustra os sapatos que ficaram sujos
E escoiceando o ar vai cambaleando a esmo.
Os escolares passam tagarelas...
(Exatamente como eu era dantes)
Os escolares passam tagarelas...
(Exatamente como eu era dantes)
Afasto os copos sujos e as tigelas
E escrevo versos para os estudantes.
Eles sorriem dos meus disparates:
Eles sorriem dos meus disparates:
"O seu José faz rimas discrepantes!"
Depois compram confeitos, chocolates,
Chicletes, balas e refrigerantes.
Despede-se sorrindo o doce bando,
Despede-se sorrindo o doce bando,
Que na aula já cumprira o compromisso,
E, mais à frente, volta-se, acenando,
Cá dentro eu fico tão feliz com isso...
Passa um cachorro ao sol que quase o mata
Passa um cachorro ao sol que quase o mata
E a sua sede é tanta que me assombra,
Mas um mendigo, enchendo de água a lata,
Dá água ao cão e o deita numa sombra.
A vizinha que passa e não sorri
Enquanto eu bebo um amargor profundo,
E o cão cansado que deitou ali...
Que diferença que isso faz ao mundo?
E essa vitrola velha, que ao acaso,
Empena um elepê de som dolente,
Depois espreme a dor no disco raso
E arranha fundo o coração da gente!
Gosto da mansuetude na canção,
A vizinha que passa e não sorri
Enquanto eu bebo um amargor profundo,
E o cão cansado que deitou ali...
Que diferença que isso faz ao mundo?
E essa vitrola velha, que ao acaso,
Empena um elepê de som dolente,
Depois espreme a dor no disco raso
E arranha fundo o coração da gente!
Gosto da mansuetude na canção,
Do som que chega calmo e sem alarde.
Quisera ouvir o acorde do violão
Na suavidade morna dessa tarde...
Parou na minha frente uma cigana
Parou na minha frente uma cigana
Trazendo uma bolsinha de adivinhas
E apregoando que o Tempo não a engana:
- Ah! Ciganas são como as andorinhas!
Quer ler a minha mão! Que boa sina
Quer ler a minha mão! Que boa sina
Eu posso ter nas mãos dessa mulher?
O meu destino já dobrou a esquina
E dou-o de presente a quem quiser.
"Bom homem" disse-me ela em tom dolente
"Bom homem" disse-me ela em tom dolente
E ao pé do meu ouvido segredou:
-"Uma amargura só procura a gente
Depois que a gente mesmo a procurou!"
E lendo a minha mão, num sulco forte,
E lendo a minha mão, num sulco forte,
Seguiu a linha pela palma rasa
E então ficou sabendo que a má sorte
Morava de favor na minha casa.
Cigana! Eu te ofereço um longo trago!
Cigana! Eu te ofereço um longo trago!
Bebe comigo as tuas conjunturas!
É com prazer imenso que te pago
Por predizeres minhas desventuras!
Disse-me ela ainda: - "Tu não sejas tolo
De conformar-te em ter a alma ferida,
Que sem amor a vida é um desconsolo;
Procura sempre teu amor na vida!"
Então me apareceu uma miragem...
Disse-me ela ainda: - "Tu não sejas tolo
De conformar-te em ter a alma ferida,
Que sem amor a vida é um desconsolo;
Procura sempre teu amor na vida!"
Então me apareceu uma miragem...
(Essas Assombrações me inspiram vida)
Sentou-se em minha mesa um personagem
E à vontade bebeu minha bebida.
O bar baixou a lona, o sol não some!
O bar baixou a lona, o sol não some!
Não comentei no bar nada de mim,
Mas perguntei-lhe qual era seu nome
E ele baixinho respondeu-me assim:
- Sou o Amor! Da existência o grande tema
- Sou o Amor! Da existência o grande tema
Que move espíritos. - Eu sou um deus!
Eu posso ser na sua vida o Poema,
Da mesma forma posso ser o Adeus!
Sendo Poema serei contentamento,
Sendo Poema serei contentamento,
Uma estrofe rimada de alegria,
A cada instante um novo encantamento
De êxtases íntimos a cada dia.
Um sonho infindo de prazer que inspira,
Um sonho infindo de prazer que inspira,
Ao florescer cada manhã risonha,
Serenidade ao homem que delira
Nos braços calmos da mulher que sonha...
O saltimbanco que diverte e canta
O saltimbanco que diverte e canta
Abrindo o riso largo e comovente.
O olhar piedoso de uma imagem santa,
A fé que imanta o coração da gente!
O ramalhete suave e perfumado
O ramalhete suave e perfumado
Em um arranjo intemporal e terno,
Que traz no bilhetinho pendurado
Sincera jura de carinho eterno.
Uma suave canção que te recorda
Uma suave canção que te recorda
Os passados momentos de afeição;
O dedo que impacientemente borda
Versos de amor na palma da outra mão.
O aroma da comida, a toalha, a mesa,
O aroma da comida, a toalha, a mesa,
As roupas postas num lugar qualquer.
A lâmpada que permanece acesa,
Um prato, um garfo, um copo, uma colher...
O coração repleto de esperança,
O coração repleto de esperança,
A espera ansiosa, a maçaneta imóvel
E a porta quieta que se estala mansa,
Quando lá fora encosta um automóvel.
No espelho o olhar de frente que condensa
No espelho o olhar de frente que condensa
A imagem de um sorriso demorado.
O olhar que fita o próprio olhar e pensa
Que vive do outro lado o olhar amado.
Se eu for o Poema eu lhe trarei as flores,
Se eu for o Poema eu lhe trarei as flores,
Qual florista ambulante do prazer:
Trarei paz, harmonia e outros favores,
Porque ainda terei muito a te dever...
Mas se eu for Adeus... Não devas sonhar!
Serei a despedida feita em dor,
Mas se eu for Adeus... Não devas sonhar!
Serei a despedida feita em dor,
Que devagar alastra a enfermidade
Da insensatez, da mágoa e da saudade,
E a longa solidão do desamor.
E vem um pesadelo, um sonho mau,
E vem um pesadelo, um sonho mau,
(A vida é tão penosa de viver!)
A brisa passa a ser um vendaval,
Demora a noite e custa a amanhecer...
Ler? - Não adianta ler, nada distrai!
Ler? - Não adianta ler, nada distrai!
O cérebro confuso se entorpece,
O olhar que nos encanta às vezes trai
E a voz que nos alegra se entristece...
Comer, beber, depois fitar o Nada,
Comer, beber, depois fitar o Nada,
Além um tempo ruim que ainda nos resta
Ao ver passarem rindo na calçada
Casais que vão sorrindo para a festa.
Então que nada houvesse acontecido,
Nada que alimentasse uma lembrança,
Então que nada houvesse acontecido,
Nada que alimentasse uma lembrança,
E tudo o que passou fosse esquecido...
Melhor é não guardares esperança!
E onde esconder a dor, não pôr no olhar,
E onde esconder a dor, não pôr no olhar,
Essa pena interior... E isso é uma doença...
Não querer dormir para não sonhar
E para que sonhar uma descrença?
Sentir um latejar febricitante
Sentir um latejar febricitante
No corpo cada vez mais incapaz;
A dor andando sempre mais adiante
A dor andando sempre mais adiante
E o sofrimento vir gemendo atrás!
Ver pessoas com peste à sua volta,
Ver pessoas com peste à sua volta,
E, ao lado, outras, feridas na barriga...
Em todos os lugares há revolta,
Em todos os olhares há intriga!
E não poder confiar no próprio irmão,
E não poder confiar no próprio irmão,
Perder o juízo e desprezar a fé,
Deixar o carro andar na contramão,
Depois descer e prosseguir a pé.
Zombar da dor alheia e da miséria,
Zombar da dor alheia e da miséria,
Ficar na sombra e não medir esforços
Para roubar do amigo a sua féria:
- E dessa infâmia não sentir remorsos!
Então calado escutei e fiquei ciente
Então calado escutei e fiquei ciente
Que a verdade do Amor pode ser falsa,
Mas quanto mais temor ele nos causa,
Mais medo de perdê-lo a gente sente!
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