Pág. 46 Jardim sem Flores (comentado)

Comentário
Professora de Literatura Maria Granzoto da Silva
Arapongas - Paraná
granzoto@globo.com


Jardim sem Flores
(José Antonio Jacob)

Para acalmar a febre do meu rosto
Encosto a fronte na vidraça fria
E fico a olhar a rua tão vazia,
Pois tudo está sem graça no sol-posto.

Lá fora o vento passa e empurra o dia,
Que vai embora como o rei deposto,
Se para alguns deixou muita alegria
A tantos outros só deixou desgosto.

E, enquanto a tarde inclina-se a este poente,
Eu desço para o meu jardim sem cores
Que está (como eu estou) triste e descrente.

E juntos soluçamos nossas dores:
Eu por estar magoado, velho e doente
E o meu jardim por ter perdido as flores.



O título

“Jardim sem Flores”, título deste belo soneto de José Antonio Jacob, numa primeira leitura, parece-nos comum, sem muito o que refletir. Ledo engano! Nele está toda a essência de sentimentos que permeia o poema. Se não há flores, não há jardim. Podemos assim pensar. Acontece que esse jardim é o coração que às vezes fica com a terra tão árida...que as flores ficam tão secas até morrer...É assim,quando algo não vai bem no amor..e a dor, sabedora de sua força..mata tudo que encontra...

O primeiro quarteto

Para acalmar a febre do meu rosto
Encosto a fronte na vidraça fria
E fico a olhar a rua tão vazia,
Pois tudo está sem graça no sol-posto.

“Jardim sem Flores”! Mais um perfeito expressar dos sentimentos humanos! A luta com a fúria da febre que precisa ser acalmada com o frio da vidraça que, na sua transparência, expõe o nada a ninguém... O vento, com sua força, teima em repetir a chegada de mais um dia de vida vazia, essa rua, um espaço sem rumo, sem nada, trazendo a noite sombria... A negação de um pretenso jardim desbotado pelas lágrimas febris de um ser que ama e por amar, sofre. Sofrer por quem se ama ou por não ser amado gera uma dor tão doída, difícil de ser explicada. Só existe para ser sentida. Ninguém a vê, a exemplo de um jardim sem flores! E estamos em plena primavera!

O segundo quarteto

Lá fora o vento passa e empurra o dia,
Que vai embora como o rei deposto,
Se para alguns deixou muita alegria
A tantos outros só deixou desgosto.

Por qual razão seria um rei deposto? Insatisfação de seus súditos? Insatisfação de quê e por quê? Se deixou alegrias, deixou também dores, desgostos! Mas era o rei! Aparentemente tinha tudo para viver feliz... Mas o que é importante para viver? O que de fato precisamos para ser felizes? Será que quando essas questões tomam espaço em nossa vida é por que estamos envelhecidos? Não temos mais alegria de viver? Será que velhice é isso? Muita reflexão e pouca ação? O que seria da vida sem esperança? O que é da vida com ela? Viver por viver é o que mais fazemos. Sem compromissos. Só com as tarefas diárias. Sendo consumidos por nós mesmos. Talvez a exemplo do Rei devessemos parar e pensar no que nos resta. O que de fato sobrou em nossas vidas. Se fizermos isso, perceberemos que sobrou muito pelo pouco que andamos fazendo... Realmente, algo dentro de nós grita por uma paz que nunca experimentamos plenamente. Sentimos saudades de um lugar em que nunca estivemos, até de um jardim desprovido de flores! Mesmo os nossos melhores momentos pareçam às vezes envoltos em uma aura de nostalgia e tristeza, talvez por sabermos que a juventude, a saúde, os relacionamentos e o próprio sucesso brilham com o esplendor de fogos de artifício. Eventualmente, um a um, eles nos abandonam, desfazendo-se como bolhas de sabão. Desejamos um relacionamento que não sabemos identificar muito bem, clamamos por uma conexão, temos um desejo profundo de pertencer. Enfim, sentimos que precisamos de bens que não estejam relacionados com a morte e o tempo. Estas são marcas de nossa origem.

O primeiro terceto

E, enquanto a tarde inclina-se a este poente,
Eu desço para o meu jardim sem cores
Que está (como eu estou) triste e descrente.

Atualmente imitam-se muito bem as plantas e as flores. Fazem-se plantas e flores de plástico e de outros materiais. Dão menos trabalho e não necessitam de muitos cuidados. Têm cores vivas e não murcham, mas, também não têm vida. Até as consciências das pessoas são de plástico, isto é, elas sentem-se mal quando não agradam pessoas ao invés de se sentirem bem com isso. A consciência delas não é viva, é antes torcida. Que triste! As flores e as plantas de plástico não dão sementes, não lutam pela vida, não dão trabalho, não têm perfume, não alimentam as abelhas e parecem bonitas. Não morrem, mas, também não vivem. As outras plantas, as reais, dão trabalho, precisam ser regadas e tratadas, têm inimigos naturais e são atacadas por ervas daninhas. Dá muito trabalho cuidar delas. Mas, o pior de tudo, é que pessoas trocam-nas pelas flores e plantas de plástico precisamente por isso. Já experimentou ficar uma semana ou um mês sem cuidar de um jardim? Que acontecerá se você ficar um dia sem cuidar de seu coração? Do seu amor? Viverá num mundo descolorido e desacreditado de si próprio. Mas até no deserto nasce alguma coisa..é tudo força e vontade..Ser vencidos? Sim...algumas vezes,sim..mas criamos imunizades e assim aprendemos a cuidar melhor de nossos jardins...

O último terceto

E juntos soluçamos nossas dores:
Eu por estar magoado, velho e doente
E o meu jardim por ter perdido as flores.

A vida não tem significado em si, nós que o criamos, de maneira percebida ou não. Porém, nascemos com um sentido: buscar prazer e fugir da dor, também chamado de instinto. Dependendo do "objeto" com o qual se aprende a ter prazer ou dor, o sentido da vida, e por vezes seu significado, fica estabelecido segundo esse.

O sentido da vida é o direcionamento colocado ao viver, tendo como base o significado dado a essa atividade, sempre originado em 4 causas: prazer, dor, certo e errado, sempre de acordo com o indivíduo em questão.

Todos nós aprendemos a ter prazer, dor e moral (sistema de condutas de como viver) quando bebês, crianças e adolescentes. Então, ter como sentido para a vida o que se aprendeu nos primeiros anos de vida é uma reprodução do que foi aprendido.

O ideal em termos de sentido e significado da vida é formá-lo com base na Liberdade de Pensamento, sendo essa a atividade constante e cíclica de: conhecer a si, os próprios valores, dores, alegrias e legados. .Quantas pessoas ao estarem felizes perguntam a si mesmas as causas e sabedoria de sua sensação? Alguns frente a essas reflexões, afirmam: crescer na dor. Para a maioria dos indivíduos é verdade, pois apenas pensam sobre suas vidas quando sofrem, principalmente porque o refletir é tido como um remédio, mas não uma necessidade - inclusive para a felicidade racionalmente decidida - seu lema é: "viva na doce ignorância e apenas o questione quando ficar amarga".

O lema das doces fantasias (entendidas enquanto impossibilidades do real) cria uma insensibilidade ao dia a dia, à vida, a rotina é tornada sem graça. Papai Noel, coelhinho da páscoa e outros mitos da criação matam o sabor do mel e do limão, do vinho e do amor, a realidade perde o seu sabor inebriante para quem tem sentidos e a pensa, o outro só vale como um passatempo, um "passa-vida", a idéia de ter filhos quase sempre vêm da falta de liberdade e da incapacidade dos pais de viver consigo, da dificuldade de dar sentido a si e à família (já existente), ao amigo, ao sol e à noite.

A realidade é comumente tida como feia ou pobre se depender apenas do indivíduo. "Com medo da vida, mata-se a morte" (Vinícius de Moraes).

Conclusão

Lindamente triste! Não há jardim sem flores, nem coração sem amor! Tagore já dizia: “Transformai uma árvore em lenha que ela arderá; mas, a partir de então, não dará mais flores, nem frutos”. O soneto possui um misto de antítese e paradoxo, sob o meu ponto de vista.E isso ocorre quando há uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos. Esse recurso foi especialmente utilizado pelos autores do período Barroco. O contraste que se estabelece serve, essencialmente, para dar uma ênfase aos conceitos envolvidos que não se conseguiria com a exposição isolada dos mesmos. É uma figura relacionada e muitas vezes confundida com o paradoxo. Várias antíteses podem ser feitas através de Amor e Ódio, Sol e Chuva, Paraíso e Inferno, Deus e Diabo. A antítese é a figura mais utilizada no Barroco, estilo de época conhecido como arte do conflito, em que também há presença de paradoxos, por apresentar oposições nas idéias expressas.Relacionado com a antítese, o paradoxo é uma figura de pensamento que consiste quando a conotação extrapola o senso comum, ou seja, a lógica.

As expressões assim formuladas tornam-se proposições falsas, à luz do senso comum, mas que podem encerrar verdades do ponto de vista psicológico/poético.(Simplificando,é uma afirmação ou opinião que à primeira vista parece ser contraditória,mas na realidade expressa uma verdade possível). A diferença existencial entre antítese e paradoxo, é que antítese toma nota de comparação por contraste ou justaposição de contrários, já o paradoxo reconhece-se como relação interna de contrários. Um “ Jardim sem Flores”, mas tão carregado de sentimentos! Os sentimentos substituem, perfeitamente, as flores desta primavera de inflorescencias!

Maria Granzoto da Silva

Poesia de Bolso - Ed. ArtCulturalBrasil/2011



POESIA DE BOLSO
ÍNDICE


Sonetos

7/ Desenho (Comentado)
8/ Sonho de Papel (Comentado)
9/ Florzinha (Comentado)
10/ Impulsão (Comentado)
11/ Bolhas de Sabão (Comentado)
12/ Fim de Jornada (Comentado)
13/ Amor -Próprio Ferido
14/ A Dança dos Pares Perdidos
15/ Afronta Impiedosa (Comentado)
16/ Almas Primaverais
17/ Casinha de Boneca
18/ Nós Somos Para Sempre
19/ Sonhando (Comentado)
20/ Faltas e Demoras
21/ Velho Órfão
22/ Silêncio em Casa
23/ Quanto Tempo nos Resta? (Comentado)
24/ Enigma
25/ Despercebimento
26/ Porta-retratos
27/ Roseiras Dolorosas
28/ Sonho Quebrado
29/ O Espelho
30/ O Palhaço (Comentado)
31/ Varal de Luzes
32/ História sem Final
33/ O Beijo de Jesus (Comentado)
34/ Musa do Ano Novo
35/ Natal dos meus Sonhos (Comentado)
36/ O Ano Bom do Bom Fantasma
37/ Domingo em Casa
38/39/ Elogio à dor do Desamor I e II
40/ Almas sem Flores
41/ Crença
42/ Além da Porta
43/ Alminha
44/ Carretéis
45/ Os Afogados
46/ Jardim sem Flores (Comentado)
47/ Mudança
48/ O Vira-lata (Comentado)
49/ Revelação
50/ O Vendedor de Bonequinhos
51/ Repouso no Sítio (Comentado)
52/ Tédio
53/ Crepúsculo de uma Árvore
54/ Noite Fria
55/ Oração do Descrente
56/ Não Despertes Sonhos Nos Meus Dias
57/ Falsidade
58/ Renascer
59/ Poodle
60/ Prisioneiro
61/ A Mãe e a Roseira
62/ A Saudade Sempre Pede Mais
63/ Sublimação (Comentado)
64/ Solidão (Comentado)
65/ Esperança Morta
66/ A Aurora da Velhice
67/ Mãos nos Bolsos
68/ Figurinhas
69/ História Boa
70/ Soneto para o Poeta Triste
71/ Minha Senhora
72/ Soneto de Natal
73/ O Pai e a Terra
74/ Minha Mãezinha
75/ Brinquedo
76/ Alegoria
77/ Almas Raras
78/ Angústia
79/ As Formigas
80/ Velhice Feliz
81/ Na Poltrona
82/ Oração do Dia dos Pais
83/ Ócio e Solidão
84/ A Prece do Capuchinho
85/ Último Delírio
86/ Canção do Rio
87/ O Verso Único
88/ Páscoa
89/ De Volta aos Quintais
90/ Amada Sombra que Persigo
91/ Eu Creio Sim!
92/ Coelhinho da Páscoa
93 Restou uma Poesia
94/ Meu Presépio

Quadra
95/ Veritas (Comentado)

Sextilhas
96/ Delírios de Maio (Comentado)
100/101/ Passeio na Cidade
102/ Natal na Rua da Miséria (Comentado)
104/105/ Uma Temporada na Roça
106/ O Fantasma que mora em meu Sofá
108/ Filhos de Minas


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(Magnífica declamação do artista português José Bento)

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(Poema em versos livres)

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AVSPE José Antonio Jacob
Homenagem da poetisa Tere Penhabe
(Acróstico Poético)
(Apresentação de Maria Granzoto da Silva)

Resposta ao Passado
(Especial ArtCulturalBrasil)

Mémória de Bibelô
(especial ArtCulturalBrasil)

Além da Porta
(Vídeo de Dorival Campanelle)

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